quarta-feira, maio 28, 2008

O velho Soares e a sua, dele, recente, sensibilidadade para com os pobres!


Todos sabemos que Mário Soares nunca conviveu bem com, pelo menos, duas coisas:

1/ As linguas. Ele há estórias que nunca mais acabam sobre o modo cómico com que o velho Soares dava tratos de polé à lingua que foi de Cervantes e à lingua que Moliére tão bem cultuou;

2/Os números e a economia. Contava-se que, quando ia a "despacho" a Belém,como primeiro-ministro e ao tempo do general Eanes, vinha de lá, completamente, exausto, porque o PR trazia para as reuniões "montanhas" de dossiers, com anotações e muitos deles relacionavam-se com a economia. Desabafo de Soares:"Safa. Eu venho aqui para discutir política e não para discutir números e/ou dossiers." Todos sabemos isto.

Então, agora, de repente, o velho Soares converteu-se ao gosto dos contabilistas, contabilistas esses que, durante TODA a sua vida política activa ele vergastou e...não ouvia?! Agora gosta de números, mas, como sempre, continua a não ter jeito nenhum para lidar com eles.
Quando primeiro-ministro, lembram-se, Soares teve de enfrentar uma vibrante crise (com FMI e tudo!) e havia, há época, fome, miséria e suicídios na Peninsula de Setúbal. O Bispo da igreja católica daquela diocése, Manuel Martins - denunciava, vigorosamente, essa realidade. Mário Soares reagia, não menos vigorosamente e acusava o Bispo de estar feito com os comunistas! Nem mais. É só puxarmos pelas memórias...elas vêm todas, agarradinhas como numa réstea de cebolas...
Agora, o velho Soares assume um discurso social, é amigo do peito do líder da CGTP (e DOUTOR em Sociologia!) e avisa o seu Partido de sempre (pai fundador) o PS - que deve preocupar-se mais com os pobres, as classes mais desprotegidas. Aponta o dedo ao engº Sócrates e anuncia uma crise social profunda, quiçá mesmo tumultos!

A mim não me incomoda, pelo contrário, mesmo ao arrepio dos números e duma análise fina dos mesmos (sugiro uma visita a post's recentes no Câmara Corporativa) discursos sobre desigualdades, exploração, miséria, fome e, também, vidas a serem vividas acima das possibilidades de cada um (veja-se um interessante post em O Mundo Perfeito), com derivas para um consumismo compulsivo e alarve!

Mas, com sinceridade o digo, perturba-me que seja o velho Soares a escrevinhar sobre este tópico! Ele nunca teve sensibilidade social, nunca se preocupou em fazer o bem aos pobres: sabe-se dalguma iniciativa sobre esta temática da família Soares? A Fundação Mário Soares tem alguma preocupação neste terreno? O colégio Moderno, propiedade da família Soares, tem algum programa de ajuda aos mais desfavorecidos? No quadro da conversão recente de Maria Barroso ao catolicísmo, conhece-se alguma incíativa concreta dela, no quadro que fosse da caridade cristã em relação aos pobres?...

O problema das desigualdades, em Portugal, é um problema sério.
Os governos, este e os outros, antes deste e, os outros que virão depois dele, tem, deveriam ter tido, e terão de se preocupar com esta funesta realidade.

É óbvio que sim!

Mas, a mim, incomoda-me,provoca-me mesmo algum desconforto, por que tenho memória, que tenha sido o velho Soares a ter direito a aberturas de telejornais e outros palcos depois do artigo que escrevinhou no DN. É da vida, como gostava de dizer o outro engº.
Acho legitima a dor dos desiludidos, acho pungente o sofrimento dos que descobriram, tardiamente, os grandes embustes do século XX, mas desconforta-me o falar "grosso" dalguns conversos,assim como as picardias dalguns cristãos-novos...como se não tivessem passado!
Já dizia, e cito de memória, o velho Ortega y Gasset: "O homem é ele e as suas circunstâncias. E temos de cuidar delas para que se possam cumprir".
É a esta luz, creio eu, que devem ajuizar-se os homens e as suass acções.

JA

1 comentário:

António Eduardo Lico disse...

O velho Soares não disse nada de especial, a meu ver, e passo a explicar - Estou de acordo que com Mário Soares as Línguas estrangeiras sempre estiveram condenadas às galés, concordo que era refinado nos tratos de polé que reservava, sobretudo para a Língua de Balzac e Flaubert.Mas uma coisa ele aprendeu com "Son ami" Mitterrand - aprendeu a cobrir com fraseado de esquerda tudo o dizia e fazia. Essa foi a grande especialidade do "son ami", e que Soares aprendeu bem.
Soares foi pioneiro na introdução neste nosso rectâmgulo [...por se ter falado em contabilistas, o velho Miguel Torga fustigou "os contabilistas" que levaram este rctângulo para o que hoje pomposamente se chama União Europeia; afinal Soares até tem umas luzes de contabilidade], dizia eu, foi pioneiro da introdução da lógica capitalista; na época só ele o conseguiria fazer, pois tinha aprendido o truque do "son ami".
Que ele agora fustigue com o seu látego justiceiro, Sócrates, e o PS, não me incomoda, mesmo nada. Nunca fui simpatizante, e muito menos votante de tal Partido. Sócrates, é afinal o que Soares já foi - o homem de serviço.
Se Soares se pudesse lembrar do mito de Eros e Psique, bem poderia ver que afinal Sócrates é ele mesmo.
António Eduardo Lico,