quinta-feira, outubro 04, 2007

Para a ex-Birmânia com amor....


Hoje acordei ao "som" metálico emitido há 50 anos pelo Sputnik, enviado pelas autoridades espaciais soviéticas , da ex-URSS, para a Lua, assinalando então, uma vitória tremenda destes sobre os USA.


Dizem-me que a emergência da Internet, sistema multipolar de envio e recepção de informação, terá sido "inventado" e agilizado pelos USA, como resposta a esta enorme vitória soviética!


Hoje estámos perante um feito notável da Humanidade,histórico, impressivo, que permitio aos astronautas americanos, anos mais tarde, quando alunaram, afirmarem: "Um pequeno passo para o homem, um imenso passo para a Humanidade!".


Pois, deveria ser neste terreno que as humanas criaturas se deveriam situar, trabalhar, procurar, descobrir e, sobretudo, cooperar! Infelizmente assim não é.


O que quero deixar, hoje, aqui, neste modestisssimo blog é uma mensagem, não tão importante quanto aquele som metálico da Sputnik, mas ainda assim merecedor de ser ouvido e em direcção ao povo da ex-Birmânia (Myanamar...parece que é assim que se escreve....), de desejos de Paz, de democracia, de direitos humanos plenos e do fim da ditadura sanguinária, militar e desumana.


Quero ainda desejar que a resposta internacional se mantenha activa e fulgurante, mas que bata onde é fundamental que ocorra: nas autoridades chinesas, que sustentam há décadas este regime inominável, medieval, que carrega milhares de assassinatos, torturas inenarráveis e sem pinga de vergonha!


Que as nossa "preces" bloguistas se cumpra, nesta data fantástica para a Humanidade!


José Albergaria

sexta-feira, setembro 28, 2007

versilibrismo versus surrealismo

Cruzeiro,
Vezeiro, useiro.
Cruzado
Usado, dado.

Seixas,
Seixo, rolado,
Lado.

Aix-en-provence,
Matisse,
Tisse,
« O Canto do signo »,
Mínima figura,
Zero Moldura.

Mestre,
“Mores maior”,
Versilibrismo,
Surrealismo.

Cruzeiro,
Estro mor,
Primeiro, poeta rimático,
Seixas
Pintor prismático,
Em ceira d’ameixas.

José Albergaria


quinta-feira, maio 17, 2007

Le metier de vivre

O velho e sábio Césare Pavese sustentava que a vida devia ser considerada como uma profissão e para a qual era urgente e necessário carrear enormes competências!

Cada vez mais corroboro essa acepção!

A vida é mesmo muito dificil de viver. É mérito dela? É incompetência minha? Provavelmente, será uma e outra coisa.

Contudo há situações perante as quais não me conformo.

Os meus amigos, os meus fraternos companheiros, alguns deles, não valorizam a substância das iniciativas, das posições e preferem ajuizar e valorar o modo, o tempo em que elas se desenrolam. E isto, porquê?...

A "alma" dos homens é deveras desconcertante. As motivações dos homens é algo de particularmente "sinuoso".

O que é que nos faz correr, a cada um de nós, no tempo que nos foi dado viver? Às vezes corremos atrás de sombras, de miragens, de coisas virtuais, de poderes enixestitentes, de vaidades, de "panache"!

Por vezes sinto-me desvalido e em desconcerto perante estas situações .

Contudo, começo a vislumbrar uma luz para estas singulares situações.

Hoje estou mais exigente, comigo e, por mor disso, com os outros.

Ele houve tempos em que tanto me fazia.

Hoje, sendo mais tolerante e humilde, tornei-me mais sagaz e arguto na apreciação das situações e dos homens.

Isto é bom, ou é mau? Nem uma coisa, nem outra.

A vida é como ela se dispõe e não como nós sonhámos.

O que me parece necessário, urgente mesmo, é retirar, com prudência e alguma mestria, as devidas ilações e conclusões daquilo que vou vivenciando.

Ele há pessoas que não nos merecem (não na direcção pesporrente ou vaidosa que pode sugerir esta formulação) no sentido que são pura perda de tempo e não nos acrescentam nada, nem como homens, nem como cidadãos, nem como seres munidos de inteligência e sensibilidade.

Le metier de vivre é deveras exigente e não aceita férias ou dispensa: é para ser vivido às mãos cheias e com imensa alegria!


Albergaria

terça-feira, abril 03, 2007

Lluis Argemí d'Abadal (1945-2007)


Catedrático do Departament d’Història i Institucions Econòmiques de la Universitat de Barcelona, Lluis Argemí foi um dos maiores especialistas de História do Pensamento Económico das Universidades catalã e espanhola. Homem de elevada coerência cívica e intelectual, era um democrata, movido por profundas concepções solidárias e fraternas. Ingressou no PSUC, nos anos 70, resistindo à ditadura na clandestinidade.
Com Ernest Lluch, já falecido, publicou, em 1985, o livro Agronomía y Fisiocracia en España, obra de referência da história do pensamento económico espanhol. Posteriormente, daria à estampa Agricultura e Ilustración, em 1988, e La revolución agrícola, em 1993, obras que o consagrariam como um académico de invulgar qualidade. Colaborou em várias revistas científicas, de que se destacam a History of Political Economy e a Économies et Societés.
Companheiro inseparável de Ernest Lluch, que viria a morrer assassinado pela ETA, em 2000, viria a publicar com este autor um conjunto notável de textos abordando a difusão na Europa, na Espanha e na Catalunha do pensamento fisiovrático, da Ilustração, do Enciclopedismo, do industrialismo e do Krausismo.
Para ele o trabalho científico tinha necessariamente uma dimensão universal, o que o levava a partilhar as suas informações com os seus pares e discípulos. Leitor compulsivo, analisava ao detalhe os textos que lhe entregavam, não se coibindo de os criticar, sempre com um sentido pedagógico, fraterno e formativo.
Esperava que ele pudesse vir a integrar o júri das minhas provas de doutoramento. Infelizmente um tumor cerebral, impediu-me de concretizar este desejo.
Até sempre, Lluis
Alcino Pedrosa

sexta-feira, março 23, 2007

Ainda a "velha" senhora: A Amizade!


Esta senhora, de quando em vez, tropeça, ensarilha-se, enrola-se e, por vezes, coloca-nos embaraços quase metafisicos.


Isto vem a pretexto de situações,que ocorrem, quando menos esperámos e que são, por surpreendentes - deveras singulares.


Dum modo geral, os meus amigos pautam-se por um muito razoável despojamento em relação aos bens materiais, uma serenidade de "velhos" sábios quando às grandezas e misérias das humanas gentes, uma relativização absoluta quanto a variabilidade das "verdades" e, sobretudo um enorme apaziguamento quanto às CAUSAS DOS POVOS!


Têm,contudo, um outro enorme "defeito": já não cultuam vaidades pessoais, nem fisicas nem intelectuais.


Ora isto é verdade para quase todos eles, mas, de quando em vez, lá tropeçámos NUM que descarrila, que se deixa adormecer nos braços da vaidade e de algum quase adormecimento intelectual.


A pretexto de quê? Vá-se lá saber!...


Outro dia recebemos, tivemos entre nós, um notável "velho", dum imenso saber e de um despojamento duma vida inteira: o Edmundo Pedro.


Sempre que a sua consciência lho ditava, lá deixava tudo para trás: mulher, filhas, emprego, negócio, o que fosse.


Esta "destemperança" pagou-a, não raras vezes, no tempo do fascismo, com a prisão, com a tortura, com a perda da liberdade, da sua liberdade.


O convivio que com ele tivemos, na tertúlia de geometria variável, foi de mor satisfação: pessoas reencontraram-se, afectos andaram no ar, memórias alegres e bisonhas cruzaram-se para alegrarem a "velha" senhora, a Amizade!


É por estas coisas aconteceram que, cada vez mais, insistentemente, acredito no VALOR absoluto da AMIZADE e dos AMIGOS que, como mo disse um, recentemente: "Os amigos são como as árvores: se andarmos em torno duma árvore, ela encará-nos sempre de frente. Tal e qual os amigos e a amizade".


Albergaria

quinta-feira, março 01, 2007

Pequenina crónica de tempos revoltos


Há momentos em que nos assalta um sentimento estranho de perplexidade, de estupefacção, de perturbação, face a comportamentos, a silêncios, a atitudes, a actos, a acções e/ou omissões, aparentes ou reais, a situações difusas, mal percebidas, apenas entreabertas ou claramente perceptíveis.


Isto vem a propósito duma experiência recente, vivida entre amigos, construtores numa mesma "fraternitas".


Uma decisão, insuficientemente explicada e explicitada, provocou-me uma imensa vontade, necessidade e urgência de provocar uma ruptura, não só epistemológica, mas consistente, substantiva, funcional e, porventura, sem eu me dar conta de tal, até organizacional.


Isto foi construido, por mim, a partir dum certo ângulo de visão, numa perspectiva racional, assente em pressupostos quase inabaláveis e desenvolvido com uma lógica interna coesa, irreductível e quse inatacável.


Mas, e os "mas", no processo histórico, são, de quando em vez,decisivos e determinantes, olvidei-me da dimensão dos "afectos" que incorporam, SEMPRE, as "fraternitas". Erro grosseiro e sem remédio.


Os afectos, os de sinal positivo e os outros, de sinal contrário, quase que submergiram, por completo, a iniciativa "oposicionista".


Lição n.º 1

Nunca, nas "fraternitas" se deve olvidar os afectos, o calor dos sentimentos e a sua eficiência nas dinâmicas grupais;

Lição n.º 2

Nunca devemos assumir "absolutos". A nossa "verdade" nunca deve ser confundidda com a VERDADE.

Lição n.º 3

A humildade nunca fez mal a ninguém, nem à saúde, nem à psique.

Lição n.º4

Deve-se SEMPRE considerar e ter em conta as lições n.ºs 1, 2 e 3.


Contudo, mesmo quando, por impossibilidade material e espiritual, não detemos, nem TODA a verdade, nem a VERDADE, sabe MUITO bem tropeçármos na AMIZADE dos amigos!


Albergaria




quinta-feira, janeiro 25, 2007

há dias

Há dias em que apetece
anoitecer mais cedo
por recear o brilho
dos olhos dos gatos.

Há dias em que não apetece morrer
de tão cansados da vida
que até nem importa viver.

Há dias sem um sorriso
apenas o mudo sinal da pedra
em que te recolhes
como gota de névoa
em manhã de montanha.

Há dias sem palavras contadas
com rosas de murmúrios
nos lábios feridos
com luzes e lumes
e fogos fátuos
aquecendo a nudez do teu corpo
na cama branca
dos silêncis mais antigos.

Há dias de vozes estranhas
envoltas no musgo do mal.

Mas há aquele sorriso que liberta
a criança presa no sótão da memória.

E então não há deuses nem palavras~
de soar longo
que nos prendam as mãos brtancas
e nos confundam os caminhos
que serenos não soubemos encontrar.

Pedro Castelhano

Reflexões destemperadas

*Já fui o maior do Mundo porque não sabia que o mundo era tão pequeno

#Já fui o maior ridículo porque pensava que as pessoas me levavam a sério

#Já fui jovem quando ainda não sabia que estava a envelhecer.

*Já tive amigos que se perderam porque se enganaram nos caminhos da amizade

*Quando toca um piano lembro-me sempre do sino da minha aldeia. Nunca ouvi o sino da minha aldeia. Mas lembro-me. Um dia quando não ouvir o piano, hei-de ouvir o sino da minha aldeia.

*Quando alguém morrer fico à porta do cemitério sempre na esperança de ser o último a entrar.

*Não há palavras para tanto sofrimento quando há tanto sofrimento sem palavras.

*Se os deuses soubessem o que se passa entre os humanos, não seriam deuses mas também não
quereriam ser humanos.

*Soldado de Esparta vai dizer aos teus chefes que o Continente já abriu. Perdeste a guerra.

*Um adjectivo agrediu um substantivo. A TLBS está a dirimir há tanto tempo o combate que tudo vai acabar num advérbio de modo.

*Não há nada como um assobio quando um surdo-mudo tenta desvendar os nossos lábios.

Pedro Castelhano em hora de pecado sem castigo.

domingo, janeiro 21, 2007

As Memórias de Edmundo Pedros



Edmundo Pedro, homem de elevada coerência cívica e intelectual, com uma vida inteira dedicada à luta pela liberdade e democracia, apresentou, dia 18 de Janeiro, o primeiro volume do seu seu livro de memórias "Um Combate pela Liberdade". Obra de referência para todos os que se interessam pela história contemporânea portuguesa, este livro vale também pelo exemplo de vida, que constitui a biografia do seu autor.
Preso pelo regime Salazarista quando tinha apenas 17 anos, foi deportado para o Tarrafal, juntamente com o seu pai . Ainda tentou, por várias vezes, fugir da prisão mas nunca conseguiu, só abandonando o campo de concentração, com o fim da II Grande Guerra, na sequência da amnistia de 1945. Regressou a Portugal com 27 anos, minado pela tuberculose, mas a sua vontade de lutar contra o Estado Novo não esmoreceu.
Participou nas revoltas de 1959 e do quartel de Beja, na sequência da qual foi preso e condenado a três anos e oito meses de prisão. Já, depois do 25 de Abril, desempenhou um papel importante na defesa da democracia, tendo sido a ele que, em nome do PS, o general Ramalho Eanes mandou entregar um lote de armas para defender as sedes do partido que estavam a ser alvo dos ataques da esquerda radical . A história não terminaria aí, valendo posteriormente a Edmundo algumas agruras e injustiças, que ele não mereceia. Hoje, tal como nesses tempos, Edmundo prefere manter o silêncio, que, np entanto, não esconde as mágoas que ainda sente: " o mal que me fizeram não tem remédio”, relembra amíude.
Não pude estar presente, por motivos profissionais, no lançamento do livro. Orgulho-me que ele o tenha feito. E mais do que isso, orgulho-me de ser Amigo deste Homem, que considero (e me considera) Irmão
Alcino Pedrosa

terça-feira, janeiro 16, 2007

Armando de Castro (1918-199)


Por aqui se tem falado de obras de referência. Aproveito o mote para falar de autores referência. Homens exemplares, paradigma de um modelo de cidadania, que ultrapassa em muito os constrangimentos políticos e ideológicos. Armando de Castro: anti-fascista, democrata, académico notável, investigador de créditos firmados; cidadão do mundo; exemplo de tolerância. Atributos que não são excessivos para qualificar este militante do PCP, que se assumiu como um homem de elevada coerência cívica e intelectual.
Na Universidade obteve uma formação histórica e jurídica e aprendeu a reflectir criticamente sobre a sociedade e o conhecimento. Estas linhas de rumo marcaram todo o seu percurso de cidadão e de cientista. Não teve outro objectivo, na sua investigação, que não fosse partilhar o seu saber, os resultados das suas investigações e as conclusões a que chegava.
Os seus trabalhos mais notáveis desdobram-se por três áreas científicas: a História, sobretudo a História Económica, a Economia Política e a Gnoseologia e Epistemologia.
Na história, ainda hoje constituem referência obrigatória a mais de uma dezena de volumes em que sistematizous os séculos XII a XV, bem como muitos outros trabalhos sobre o período restante, com particular destaque para os séculos XIX e XX, deixando em aberto o sonho de fazer uma história económica Portugal.
Na Economia Política, trabalhou alguns dos temas mais árduos dos seus fundamentos teóricos, tendo sido um dos pioneiros em Portugal no tratamento sistemático da teoria do valor, marcando, além do mais, uma época com os seus estudos sobre a inflação.
A Epistemologia, entendida como ciência do conhecimento científico, esteve sempre presente nos seus trabalhos de investigação. Ao fazer a história da Idade Média interroga-se sobre os rumos da investigação a fazer; ao estudar o fundamentos da Economia Política encontra as mesmas problemáticas. Em todos estes caminhos sempre esteve a par do que em Portugal e no Mundo se fazia sobre as problemáticas em que trabalhava, estando sempre aberto ao novo. Ou não tivesse sido Ele um cidadão com uma dimensão Universal

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Em louvor do Rogério Rodrigues


"Gibbon


Se há livro de cabeceira - porque, em muitos sítios já não há cabeceira, nem mesinha-de-cabeceira - que me acompanha e que leio e releio ao acaso, sempre com enorme prazer, é a obra de Gibbon Declínio e Queda do Império Romano.

Há neste livro, obra magna de um académico e parlamentar inglês do século XVII (eu creio que é XVIII, mas...), uma escrita sobre a história, as suas personalidades e ventos, tão diferente no que se vê e considera importante que o livro imediatamente - à primeira frase - me retira com proveito do século XX. Flutuando por uma das escritas mais fascinantes da lingua inglesa, transportando-me para a história, ou seja, para o que não é do meu tempo. Há nas suas personagens - porque não se trata verdadeiramente de um livro de história, mas de um livro sobre o teatro da humanidade - uma dignidade antiga, que pode ser o teatro da humanidade -, uma dignidade antiga, que pode ser de todos os tempos, menos do nosso. Nós sabemos que é mais feita de ficção do que de realidade, porque também sabemos como já para o olhar de Gibbon também tudo aquilo pareciam «antiguidades».
É verdade que Gibbon estava no século XVIII (cá está, o século correcto...)a falar sobre os «Romanos», ou seja, sobre cerca de dois mil anos de história ocidental, e a nossa cabeça actualmente vive em 30 ou 40, e a nossa cultura mediática vive quanto muito ao ano, quando não é à semana. É verdade que, escrevendo essencialmente sobre o período do «declínio», Gibbon fala dos últimos mais de míl anos que vão dos Antoninos à queda de Bizâncio.
Mas já repararam que, habituados que estamos à precaridade do nosso tempo e à sua rapidez, é muito tempo? Que ainda havia «romanos», que por acaso eram gregos, quando se iniciaram os Descobrimentos? E que só passaram seiscentos anos - quase nada - desde que Constantino Paleólogo participou na última missa na Catedral de Santa Sofia, um ou dois dias antes de se tornar mesquita e ele desaparecer para sempre, talvez adormecido numa das muralhas da cidade? E já repararam que menos tempo nos separa da entrada triunfante de Maomé II - de quem Gibbon diz que, para além do turco, falava árabe, persa, caldeu, latim e grego - na cidade de Constantino do que os mil anos que tinham passado desde que os bárbaros entraram em Roma?
Em muitas páginas do Declínio e Queda, a nostalgia pelo passado, não com saudade - porque Gibbon sabia que esse passado era pior do que o seu presente -, mas como meditação sobre o tempo, é o principal pano de fundo onde se movem as personae. Mas o tempo, ou a história, se se quiser, é o principal actor quando Gibbon relata um diálogo ocorrido, no século XV, entre o «douto Poggio» e um amigo, dois romanos modernos, membros da cúria papal, que sobem ao monte Capitolino e contemplam as «ruínas de Roma». No meio do matagal estavam as velhas glórias de Roma, cobertas de vinhas, cercadas por quintais, já parcialmente integradas em construções modernas, para que as sólidas pedras de mármore eram roubadas. Porcos e bois passeavam no Fórum e o lixo cobria os bancos dos senadores. O tempo também a eles pregava partidas: tinham já passado mais de novecentos anos desde a «queda», e eles olhavam o fim do império com maior distância do que a que hoje nos separa deles.

O tempo é enganador quando ultrapassa as nossas vidas, e prega-nos partidas na memória. E nos tempos de «queda» ainda é mais enganador, misturando vencidos e vencedores, locais e batalhas, gente do seu tempo e anacronismos. Gente perdida pelo declínio, fora da sua terra e do seu tempo, resistindo a uma história impiedosa, como essas mulheres bizantinas, parentes da melhor nobreza imperial, vagamente recolhidas nos conventos quando escapavam de ir parar a algum hárem, tentando publicar livros em grego, manter a sua fé ortodoxa, salvar as relíquias de uma opulência passada, quando não resgatar os filhos e parentes, reféns do sultão ou de qualquer potentado menor da Sérvia ou na Trebizonda.
No Declínio e Queda são o tempo e a dignitas que me atraem, a maneira nobre e desprendida, com todas as qualidades, defeitos e paixões, como esses homens feitos em pó, sepultados não se sabe onde, passearam o seu amor pelos homens, pela história, pelas letras, pela lei, pelo vinho, pelas mulheres, pelos rapazes, pela música, ou mais comummente pela crueldade. Porque aqui a dignitas é também o tempo, porque a gente percebe logo que se trata de virtudes dos «antigos», que também já não há hoje, porque todos os tempos, menos o nosso, são clássicos. E era certamente o que Gibbon também desejava: em plenas luzes, descreveu uma história com demasiadas trevas, as do tempo que já passou."

Notabilissimo texto de José Pacheco Pereira, retirado sem autorização, mas com a devida vénia, de "Desesperada Esperança e outros textos", dado à estampa pela notícias editorial, no ano de 1999.

Em louvor do Rogério Rodrigues?...porque sei, de fonte segurissima, que aquele livro, o do Gibbon é também um dos seus livros de cabeceira.

Este post é uma espécie de prenda de ano novo para o
Rogério, com a suave esperança de:

1- O poder ler amiúde, na versão Pedro Castelhano ou na do próprio, neste Blog, que lhe deve o nome;

2- Que, um dia, me possa também assumir como leitor apaixonado, dleitado e agradecido da «Queda».

Albergaria